domingo, 17 de fevereiro de 2008

Diplomas T

A cada ano, 10 mil médicos são postos na rua sem terem nenhuma residência. Ué, mas são engenheiros civis? Os novos sem-teto? Não, são os números de médicos que se formam por ano, segundo o estudo do Gilberto Dimenstein.

__Ah, sim: residência (médica) é o curso de duração variável que os médicos, após sua graduação, realizam geralmente em um hospital, a fim de se especializarem. Resumindo, é isso: muita farinha saindo, pouco forno assando. Você já sentiu que comeu um pão pastoso no consultório? Ou em qualquer outro serviço especializado não-técnico? Eu já.

__Uma vez fiz dois exames oftalmológicos para conferir se meu grau de miopia e astigmatismo haviam estagnado. Os resultados foram diferentes. Bem diferentes. Tive que consultar um terceiro, tirar a média e... Mentira, fui pelos dedos iguais. E quem se diferenciava era o doutor apenas cinco anos mais velho que eu.

__Semeei meu preconceito a partir de então.

__Que tipo de bola de neve estamos entrando com esta equação? A população cresce, deseja se profissionalizar (já que o ensino Médio no Brasil não merece nem o nome de Médio), surge a demanda por cursos superiores, e qualquer empreendedor (ou mesmo picareta), dotado de algum conhecimento mínimo em negócios, poderá abrir salas de aula, laboratórios, quadros brancos, projetores, e recuperar em doze, quinze meses o que investiu na construção, divulgação, contratação de docentes etc. Se tem que queira, há quem abra.

__Sinto podridão quando educação e cultura são tratados como negócios-e-só. No discurso, "nós queremos um Brasil melhor". Na prática... Ah, mas na prática...

__Todo ano novas universidades inauguram campus, contratam professores, cobram suas mensalidades, papagandeiam o sonho do curso-próprio-sucesso-terno-e-gravata sem vestibular aos menos favorecidos, e, voilá! — em alguns anos teremos um alto índice de pessoas formadas não praticantes, ou desempregadas, ou de médicos cujos livros foram meramente folheados, metade de recém-formados que não conseguem seu CRM, aumento de denúncias de pacientes contra "maus tratos" (o que, no meu caso, seria o do oftalmo ruim de mira), advogados abrindo pousadas, publicitários abrindo franquias de fast-food, engenheiros taxistas etc. Um mercado farinhento.

__Preconceito, estereótipo, generalização, eu sei. Graças a tais novas faculdades, é verdade, alguns brasileiros esforçados conseguem ter seu espaço no mercado. Mas o resto... E, você, é, você mesmo, sabe que, ah, mas o resto...

__No início do século passado havia o fordismo. Hoje, temos na mesma linha o canudismo: carimbo de grades, carimbo de presença, trabalhos nas costas, e pronto! Saindo mais uma formada fresquinha. Só não há garantia de fábrica.

__Quer garantia estendida? Vamos às pós! Pós-tergar o que era pra ter visto na faculdade (pior que existe). Tem muito moleque que vai do colégio à universidade, e dela para a pós, pulando amarelinha. Cursos assim deveriam ter pré-requisitos; experiência é uma delas. Se o único filtro que separa um graduado de um pós-graduado ou embiei-graduado é o boleto pago, uma hora tal certificado também será carne de vaca.

__Confiemos, pois, nos extraordinários da vida.
Nas frestas da casta e nos becos do mapa.
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sábado, 16 de fevereiro de 2008

Caprichos e necessidades

Li um artigo do Observatório da Imprensa, A agência de publicidade e a crise ética, de Celso Jupiassu, que abrevia os rumos que a propaganda tomou no Brasil — propaganda no sentido agência = negócio lucrativo.

__Em resumo. Antes, agência é antro criativo. Meio, profissionais de finanças descobriram a lucratividade do negócio, investiram. Hoje, a criatividade é apenas um dos porquês que mantém a agência.

__Clixeirização da criatividade? Migração para mídias menos abertas e mais lucrativas? Entrada de grandes grupos no mercado? Não sou analista, nem quero, e por isso não vou palpitar.

__Artigo interessante para quem é do meio. E há um toque para quem gosta de mídia. (Leiam.)

__Fiquei mais preso ao parágrafo inicial:

__A história da empresa, a partir do século 19, começa pelo reinado do produto. Todos os esforços estavam voltados para a engenharia, a qualidade e a durabilidade do que se produzia. Depois veio a fase das vendas, massificando-se a distribuição na busca de aumentar o volume de negócios, crescer e conquistar mercados, até chegar à era do marketing e da segmentação dos mercados, voltada para o consumidor e os seus caprichos. Logo em seguida veio a revolução comandada pela globalização, no impulso da era tecnológica e do enorme desenvolvimento das comunicações.


__"Voltada para o consumidor e seus caprichos."

__Desde a faculdade, nunca ninguém exprimiu melhor: caprichos. Vontade de parecer ser. Vontade de inclusão. Na faculdade, chamávamos conhecer os caprichos por identificar novas necessidades. Com qual versão você fica?
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Pink sharis batwomen

Dentre as manifestações populares mais aprazíveis, sarcasticamente doces ou ironicamente deliciosas, está a formação de gangues vingadoras; não as que buscam poder pelo poder, mas afirmação e respeito. Ou justiça. Não a legislativa.

__Ei, estamos aqui e queremos ser ouvidos!

__Melhor ainda quando há uma simbologia defendida, uma flâmula que balança para de longe todos verem. Batman! Parem de nos ignorar! Eis-nos!

__Na Índia, um grupo de mulheres se uniu para humilhar policiais ratacorruptos, famílias que violentam sob a farda dos dotes, e estupradores dos mais variados calões. Elas saem em bandos atrás de quem desvia dinheiro público, de quem bate nas esposas, de quem mata por dinheiro, de quem dá suporte...

__"Não somos uma gangue no sentido comum da palavra. Somos uma gangue pela justiça."

__Não menos interessante é seu uniforme de guardianismo: o sári rosa. Espécie de vestido que cobre todo o corpo, mas numa versão mais Penélope Charmosa.

__As bárbaras (Barbie-ras?) ficaram famosas, e muitos homens já as apóiam. E não por menos: o grupo, além de caçar os malfeitores, discute temas como casamento infantil, mortes associadas a dotes, falta d’água, subsídios agrícolas e desvio de verbas em obras do governo. Todas as formas de violência, digamos.

__A gulabi gang, ou a gangue rosa, faz justiça com as próprias mãos, e não é com puxão de cabelo, não. Há aulas de manejo de clavas e machados. E atenção: elas querem queimar a alma dos indecentes, e não sutiãs. "Mulheres precisam de homens." Lá, os homens que deveriam protegem os cidadãos, só o fazem com incentivo financeiro. "Eu preciso que você me ajude a te ajudar."

__A última lembrança que eu tenho de uma manifestação simbólica e popular no Brasil é o Diretas Já. (Cansei é bobeira.) Mas, convenhamos, nenhum movimento político é mais que 49% popular. Os interesses portrazes manipulam bem a fachada. Mais justas são as guerrilhas, inevitavelmente ofuscadas, ou abalburdeadas pela mídia conversadora. Quer dizer, conservadora.

__O exemplo indiano endossa a tese. A líder diz que as amazonas das trevas fogem das associações partidárias, porque "eles estão sempre esperando alguma coisa em troca quando oferecem ajuda financeira".

__Bravas!
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