quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Vaia merda.

Vaiar presidente é uma coisa. Vaiar atleta enquanto este se concentra, é outra.

Mas temo que seja do mesmo saco.

Burro, burro, burro. Um nacionalismo burro. Um nacionalismo que direciona a festa somente aos brasileiros — em vez do esporte em si. Um nacionalismo que bem merece efte previdente.

Uma classe que, liderada por um cestinha ídolo (no meu caso, é ex-), vaia meninas de 13 anos só porque elas concorrem com as medalhas brasileiras, ou porque simplesmente são dos EUA. "Isso, vai, Brasil, vamos favorecer nossa equipe. Vai, Brasil, façamos barulho e atrapalhemos nossas adversárias. Vaia, Brasil, zil, zil.

Uma vaia bem gorda para nós, sujos e desonestos. E palmas à hipocrisia de quem anda em passeata contra corrupção, mas vaia atleta. E mais palmas ainda a um espetáculo brasileiro, televisionado com deturpação jornalística (do contrário, a gente veria medalhista norte-americano e cubano).

Leiam os trechos abaixo do artigo A brava gente brasileira, de Larissa Grau.

O Brasil do Jornal Nacional é um misto de três correntes de interpretações sobre nosso país. É uma mistura dos pensamentos sociais de um Estado demiurgo da sociedade, do patriarcalismo e de uma sociedade realizada por meio da representação de alguns tipos ideais.

No primeiro caso, temos um Estado que é desconectado da sociedade e que dela independe. Esta parece um subproduto mal acabado daquele e que, ingênua, desorganizada e débil, fica à mercê de atitudes autoritárias. No segundo caso, é uma nação regida por interesses oriundos de laços de parentescos, apadrinhamentos e interesses pessoais. Uma interpretação que não esquece, também, a informalidade inocente de um povo multiétnico.

Essas duas primeiras teses complementam-se e servem-se reciprocamente, como afirmaria o sociólogo Otávio Ianni. Se o povo é inocente, então necessita de um Estado que o tutele e oriente e é aí que se justifica a representação de um Estado onisciente, ubíquo e oligárquico e que não precisa atender aos anseios de sua sociedade civil, a qual, por sua vez, se guia por sentimentos passionais e subjetivos.

[...]

A torcida alegre e vibrante do Jornal Nacional – e que foi "um espetáculo à parte" – é a mesma que vaiou os atletas estrangeiros e torceu para que falhassem em suas performances. Um de nossos maiores ídolos do esporte, de quase 50 anos de idade e contratado pela emissora em questão, foi aquele que gritou em um estádio para que garotinhas de 13, 14 anos caíssem de seus aparelhos de ginástica olímpica. Para a locução global e emocionada, tal vibração foi um exemplo de amor à pátria. Esse Brasil, só a Globo não revelou. Como não tem revelado que nossos dirigentes somos nós e, quem sabe, não seríamos corruptos se estivéssemos "lá".

Se alguns de nós conquistamos o pão de cada dia com o fruto de nosso suor, somos também uma nação de "espertos", dentro da representação dos tipos ideais. Apesar de sermos um espetáculo à parte, continuamos a corromper o guarda de trânsito que nos multa e a querer prisões melhores, ou mesmo o perdão, para os nossos filhos que fazem faculdade, mesmo que eles tenham espancado uma doméstica na rua. Arrastamos nossas crianças até a morte pelas ruas e tampouco nos incomodamos com a morte delas nos morros das cidades. Jogamos lixo nas ruas pela janela de nossos bons carros e o público, desconectado de nós por se originar do Estado, pode ser depredado. Se o Estado rouba, por que não eu? E somos também aqueles que acham bacana sonegar o Imposto de Renda, justificando que o Estado não nos dá nada em troca.

Enquanto acreditarmos que esse Brasil é dividido em dois, que os atos de nossas autoridades não contêm o nosso DNA, muito pouco poderemos efetivamente realizar. Nessa retro-alimentação de um estado de ignorância, o Jornal Nacional nos representa, quando lhe convém o fervor ufanista, como uma única e sólida entidade estereotipada.

Dessa forma, não são reduzidas somente as nossas múltiplas e fragmentadas representações, mas, junto com elas, as nossas possibilidades de uma ação cidadã que se realizam somente por meio de nosso Estado.

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